domingo, 15 de maio de 2011

PEC que antecipa condenações abre guerra com juristas

A 'PEC do Peluso' está na mira da comunidade jurídica. Os maiores e mais importantes advogados do País, e até as bancas menos afamadas, abriram guerra contra a Proposta de Emenda à Constituição que altera os artigos 102 e 105 da Carta para transformar os recursos extraordinário e especial em ações rescisórias - a execução do trânsito em julgado da sentença se dará já na segunda instância, antecipando decisões, inclusive criminais, sem que se esgotem todas as possibilidades de recursos.

A PEC foi apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), mas seu criador é o ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Peluso vê na PEC caminho para reduzir o excepcional acúmulo de ações na corte. Apresentou sua ideia ao abrir o debate para o III Pacto Republicano.

Contra a meta do ministro a advocacia faz barulho. É a maior mobilização dos causídicos em tempos recentes. A última manifestação importante foi em 2005, quando reagiram categoricamente contra a onda de invasões dos escritórios de advocacia, alvos de operações da Polícia Federal. Aquela batalha eles venceram. Querem vencer de novo, com o peso e a tradição da classe, pondo abaixo a iniciativa da mais alta autoridade da toga.

A PEC do Peluso prevê pronta execução das decisões judiciais a nível de segundo grau, tanto nos Tribunais de Justiça dos Estados como nos Tribunais Regionais Federais. Se a pena for de prisão, ela será decretada imediatamente. A admissibilidade dos recursos extraordinário, ao STF, e especial, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), não terá força para barrar o trânsito em julgado e a execução da sanção. A PEC acaba com o efeito suspensivo aos recursos.

Ao Estado, Peluso advertiu que 'o Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais'.

'A ideia do ministro muito contribuirá para coibir condutas protelatórias das partes', diz Ferraço. 'A Lei da Ficha Limpa considera inelegíveis os condenados à suspensão de direitos políticos ou por ilícitos eleitorais, por decisão de órgão judicial colegiado, mesmo quando ainda não esgotada a via recursal.'

Cultura punitiva. A nata da advocacia, exasperada, recorreu até ao Palácio do Planalto para travar a proposta que os atormenta, ora em exame pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), recebeu das mãos de um dos mais notáveis criminalistas do País, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, documento de 19 páginas que fulmina a PEC, a ela atribuindo inconstitucionalidades porque poria em risco o sagrado direito de defesa e o princípio da presunção da inocência.

O documento, com o timbre do Instituto dos Advogados Brasileiros, desmistifica a tese de que a estratégia dos recursos assola os tribunais. E joga sobre o governo a responsabilidade pela impressionante morosidade do Judiciário - estudo do CNJ indica que o setor público lidera de longe a lista dos 100 maiores litigantes, atuando como parte em 76,85% das causas e figurando no polo passivo (réu) em 69% dos feitos.

Os advogados amparam seu pleito até em voto do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, que revela que 28,5% dos recursos criminais que chegam à corte são acolhidos. 'A cultura punitiva tomou conta do País, está influenciando as decisões judiciais', aponta Mariz, 40 anos de advocacia. 'O STF não pode deixar de analisar e julgar casos que envolvam a liberdade, que é o bem supremo do cidadão.'

O criminalista Tales Castelo Branco alerta que 'o sacrifício da liberdade de uma pessoa justifica que o Judiciário seja prudente e conceda até a exaustão todos os recursos'. Para Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB-SP, 'a PEC é aterrorizante porque antecipa os efeitos de uma decisão que ainda não é definitiva, antecipa a prisão de alguém que em última instância poderá ser absolvido, ela vai produzir injustiças'.

TRECHOS

'É certo que a ampla e quase inesgotável via recursal ...

tem sido utilizada, grande parte das vezes, para fins meramente protelatórios, como estratégia da parte para furtar-se ao cumprimento da lei.'

(JUSTIFICATIVA DA PEC)

FONTE: